O anacronismo de Angra 3

Artigo de Sidney Luiz Rabello, engenheiro da Comissão Nacional de Energia Nuclear com experiência de 30 anos em Segurança de Usinas Nucleares, publicado no Jornal do Brasil em 05 de fevereiro de 2010*.

O presidente da Eletronuclear, Othon Luiz Pinheiro da Silva, tem afirmado que não há muito mistério na construção de Angra 3. Considera que seu projeto é idêntico ao de Angra 2, usina que teve sua construção iniciada em 1981 e a operação em 2000.

Aparentemente, a afirmação é muito lógica. Dá a impressão de que tudo fica mais simples dessa forma. Basta repetir o projeto de Angra 2, e tudo será maravilhoso.

O projeto de Angra 2, no entanto, é da década de 70. Se for repetido para a
construção de Angra 3, significará ignorar-se a evolução da engenharia dos últimos 40 anos.

A tecnologia de segurança de usinas nucleares avançou muito devido à experiência de se construir e operar usinas nucleares em todo o mundo e, especialmente, em função da necessidade de se prevenir acidentes.

O acidente que causou maior impacto nos projetos de segurança das usinas foi o acidente de Three Mile Island (TMI), em 1979, nos Estados Unidos da América.

O projeto de Angra 3 é arcaico. Não contempla os princípios modernos de engenharia de segurança para usinas nucleares deste início do século 21. Não dispõe de recursos para a prevenção de acidentes como o de TMI. 

Se a construção de Angra 3 for adiante, utilizando o projeto de Angra 2, não haverá como evitar a liberação de material radioativo para o meio ambiente, além de outras consequências maiores para a população da região e para os trabalhadores da usina, no caso de não ser possível controlar acidentes como o de TMI (vide Impact of safety standards updating in NPP licensing, INAC2009).

Alguns dizem que não houve mortes em TMI e que é desnecessário levar em conta o que se aprendeu com o acidente. Mas essa será uma atitude sensata e compatível com os conceitos da engenharia? Será necessário que aconteçam mortes, como as do acidente de Chernobyl, ou deveremos fazer como os americanos, que estudaram seriamente o acidente de TMI, junto com o resto do mundo desenvolvido, e procuraram antever as consequências catastróficas, através da introdução de novos critérios de segurança? Atualmente, as atividades de licenciamento e fiscalização das aplicações da energia nuclear, particularmente das usinas nucleares, são exercidas pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN).

A CNEN acumula atividades de promoção, tais como pesquisa, produção de radioisótopos e prestação de serviços.

Essas funções são contraditórias e incompatíveis para uma mesma instituição, uma vez que a própria Cnen é que deve fiscalizar e licenciar suas instalações radioativas e nucleares.

Para resolver esta incompatibilidade, o governo Lula criará a Agência Reguladora Nuclear, com atribuições exclusivas de licenciamento e fiscalização, livres das amarras da produção e da pesquisa. No entanto, o projeto de lei está em gestação na Casa Civil desde 2008, sem data marcada para ser enviado ao Congresso e cheio de vícios que poderão impedir uma atuação plena da agência.

A necessidade da criação da agência reguladora é evidente e urgente, principalmente neste momento de definição da tecnologia de segurança a ser adotada para Angra 3.

Será adotada a tecnologia moderna deste início do século 21, que evite acidentes do porte de TMI, ou a tecnologia arcaica de Angra 2 da década de 70? A solução deste dilema é da maior importância e será uma grande surpresa se a escolha desprezar um projeto moderno que tornaria a usina muito mais segura, evitando repetir o que a experiência humana já vivenciou através de perdas de vidas humanas e prejuízos consideráveis de patrimônio, como foi o caso Three Mile Island e Chernobyl.

A ausência de uma Agência Reguladora Nuclear independente e atuante poderá gerar um anacronismo na engenharia nacional.

Os novos projetos de usinas nucleares dos países desenvolvidos são muito mais seguros, e projetos como o de Angra 3 não são mais aceitos nos Estados Unidos nem na Europa. A própria Areva, projetista de Angra 3, não tem em seu leque de produtos projetos de usinas nucleares da década de 70 como o de Angra 3.

É importante destacar que um empreendimento do porte de Angra 3 envolve investimentos da ordem de 8 bilhões de dólares (1600MW), segundo afirmação da Areva, em artigo do NYT de 28/05/2009, sobre a usina de Olkiluoto, na Finlândia.

Com um investimento de tal monta, é difícil de entender a opção por uma tecnologia arcaica, principalmente no que diz respeito à segurança da população, dos trabalhadores e do meio ambiente.

* As opiniões do autor não necessariamente refletem as posições da Comissão Nacional de Energia Nuclear.